segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Estratégia sob a Perspectiva de Kim e Mauborgne


A estratégia do Oceano Azul esta associada a mudanças no modelo de negócio. Simplesmente criar os elementos de valor (tais como variedade de produtos ou portfólio de serviços) significa continuar no jogo do oceano vermelho, já que os concorrentes também estão fazendo o mesmo movimento. A verdadeira inovação de valor é aquela em que “reposicionamos” a oferta de valor para os clientes, ou seja, a proposta passa a ser tão exclusiva e gera uma experiência tão inusitada para os clientes, que é quase como se a reinventássemos. Ao tornar a concorrência irrelevante, tem-se flexibilidade para trabalhar o aspecto preço. (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 12).
As empresas que se perdem nas estratégias atuam no oceano vermelho, adotam uma abordagem convencional, empenhando-se em vencer a concorrência por meio da construção de posições defensáveis no setor em questão, preocupando-se em demasia com o market share, num jogo de soma zero, já que a cada ponto ganho de participação existe uma correspondente e proporcional perda. As empresas criadoras de oceanos azuis estudam os concorrentes para analisar o que esta sendo praticado no setor, mas não os enxergam como padrão a ser atingido. Em vez disso, adotam uma lógica estratégica diferente, chamada de inovação de valor, pois em vez de se esforçar para superar os concorrentes, oferecem saltos de valor para os compradores e para as próprias empresas, que assim desbravam novos espaços de mercado inexplorados. (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 13).
O fator de diferenciação entre vencedores e perdedores na criação de oceanos azuis não é nem o ineditismo tecnológico nem a rapidez de entrada no mercado. Às vezes, tais fatores estão presentes; no entanto, com mais frequência, não são relevantes (KIM & MAUBORGNE, 2005). A inovação de valor ocorre apenas quando as empresas alinham inovação com utilidade, com preço e com ganhos de custo. Se não conseguirem associar inovação e valor dessa maneira, os inovadores de tecnologia e os pioneiros de mercado geralmente criam embriões que acabam sendo desenvolvidos por outras empresas.
Tradicionalmente, acredita-se que as empresas, quando comparadas aos concorrentes, devem ser capazes de criar mais valor para os clientes, a custo mais alto, ou de criar o mesmo valor para os clientes, a custo mais baixo. Sob este enfoque, estratégia significa escolher entre diferenciação e liderança de custos. Em contraste, as empresas que buscam criar oceanos azuis perseguem a diferenciação e a liderança de custos ao mesmo tempo (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 13).
Através de ferramentas analíticas é que os executivos têm como agir para transpor as fronteiras dos atuais mercados competitivos. A estratégia do oceano azul eficaz consiste em minimizar os riscos, e não em assumi-los às cegas. Para identificar os valores considerados tradicionalmente importantes no segmento, constrói-se a matriz de avaliação de valor. Trata-se de um instrumento de diagnóstico e modelo para o desenvolvimento de uma estratégia consistente de oceano azul (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 24). Além de identificar a situação atual da empresa no mercado, permite que compreenda em que os concorrentes estão investindo, os atributos nos quais se baseia a competição em termos de produtos, serviços e entrega, e o que os compradores recebem como clientes de qualquer das ofertas competitivas já existentes.
A fim de elaborar uma reconstrução dos elementos de valor para o comprador, na construção de uma nova curva de valor, foi desenvolvido o modelo das quatro ações (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 29). Como mostra a Figura 8, para romper o trade-off diferenciação - baixo custo e criar uma nova curva de valor, utilizam-se quatro perguntas-chave que questionam a lógica estratégica e o modelo de negócios do setor:
Figura 8 – Modelo das 4 ações
Fonte: Kim & Mauborgne (2005)

•   Que atributos considerados importantes pelo setor devem ser eliminados?
•   Que atributos devem ser reduzidos abaixo dos padrões setoriais?
•   Que atributos devem ser elevados acima dos padrões setoriais?
•   Que atributos nunca oferecidos pelo setor devem ser criados?

A primeira pergunta força a empresa a considerar a eliminação de atributos de valor que tradicionalmente são considerados para a concorrência no setor. Às vezes, os atributos valorizados pelos compradores mudam, mas as empresas que se empenham em imitar umas as outras não observam a mudança. A segunda pergunta estimula a empresa a examinar se existe excesso nos atributos dos produtos e serviços oferecidos, que não são percebidos como importantes pelos clientes do segmento que se pretende atingir (KIM & MAUBORGNE, 2005). Nesse caso, as empresas prestam serviços além dos requerimentos dos clientes, aumentando inutilmente sua estrutura de custos.
A terceira pergunta leva a empresa a identificar e corrigir as limitações que o setor impõe aos clientes. A quarta pergunta ajuda a empresa a descobrir fontes novas de valor para os compradores, buscando criar novas demandas.
É por meio das duas primeiras ações que a empresa pode enxugar sua estrutura de custos. As duas outras ações (elevação e criação) fornecem um direcionamento sobre como aumentar o valor para os compradores e criar nova demanda. Em conjunto, essas quatro ações permitem que se explore sistematicamente maneiras de se rearranjar os atributos que geram valor para os clientes no setor (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 30). A eliminação e a criação fazem com que as empresas mudem os próprios atributos, se posicionando de uma forma diferente no mercado, para atuar num segmento específico, considerando que toda a boa estratégia necessariamente tem foco e o perfil estratégico da empresa, ou sua curva de valor, deve mostrar isto com nitidez. Identificar o publico alvo e estar ciente de quem vai atender e quem não vai.

Para Kim & Mauborgne, o resultado da aplicação do modelo das quatro ações à matriz de avaliação de valor do setor, como mostra o Gráfico 1, é a descoberta de novos aspectos na leitura de velhas verdades não questionadas (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 30).


Gráfico 1 – Matriz de avaliação de valor
Fonte: Kim & Mauborgne (2005)

Quando a estratégia é formulada de forma reativa, como tentativa da empresa acompanhar a concorrência, ela perde força (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 41). As três características consideradas para ser uma boa estratégia do oceano azul são: foco, singularidade e mensagem consistente ao mercado.
Quando a curva de valor na matriz de avaliação de valor mostra que os níveis de oferta da empresa são altos em todos os atributos, a pergunta cabível é: Tem mercado para esses investimentos? (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 42)
A curva de valor que parece ziguezague, sinaliza que a empresa não tem uma estratégia coerente, mas talvez, um conjunto de ações independentes, sendo até possível que cada uma delas isoladamente faça sentido.
A Apple observou a onda crescente no compartilhamento de músicas ilegais pela Internet, que começou no início da década de 1990. Os programas de troca de arquivos de música, como Napster, Kazaa e LimeWire, haviam criado uma rede gratuita e ilegal de amantes de música, que permutavam gravações em todo o mundo. Em 2003, mais de dois bilhões de arquivos de música trafegavam na internet a cada mês (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 76). Enquanto a indústria fonográfica se empenhava em combater a pirataria de CDs físicos, o intercâmbio de música digital ilegal prosseguia em ritmo cada vez mais acelerado.
Com tecnologia disponível para que qualquer um baixasse no computador música digital de graça, em vez de pagar R$ 30,00 em média por um CD, a tendência era nítida, conforme se constatava pela demanda em rápido crescimento por MP3 players, que reproduziam música digital em aparelhos móveis, como o grande sucesso iPod, da Apple (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 76)
Adicionalmente, a Apple ao observar essa tendência de mercado, identificou outra oportunidade de negócios, que naturalmente aparece, quando da mudança de tecnologias, já que lacunas se formam (KIM & MAUBORGNE, 2005). Em contraste com o mercado que reagia negativamente a esse processo, a Apple, agiu de maneira pró ativa e se deu bem. Em 2003 lançou o iTunes, loja digitai de música. Por meio de um acordo com cinco grandes empresas de música - BMG, EMI Group, Sony, Universal Music Group e Warner Brothers Records – o iTunes oferece o download de músicas ao gosto do cliente, de maneira legal, fácil e flexível.
Para Kim & Mauborgne (2005), o iTunes criou condições para que os compradores naveguem de graça entre 200 mil músicas, ouçam amostras de 30 segundos, e baixem cada música por US$0,99 ou um álbum completo por US$9,99. Ao permitir a compra de músicas isoladas e, como parte da estratégia, praticar preços por música bem inferiores aos do mercado convencional, o iTunes eliminou importante causa de aborrecimento para os clientes: a necessidade de comprar todo o CD quando querem apenas uma ou duas músicas. O iTunes também saltou à frente dos serviços de download gratuito, ao fornecer qualidade de som, assim como navegação, pesquisa e experimentação intuitivas.
O processo de descoberta e exploração de oceanos azuis não se refere à previsão ou prevenção de tendências setoriais. Tampouco é um processo experimental de implementação das mais inovadoras e ousadas idéias de negócios. Os gestores se envolvem num processo estruturado de reordenação das realidades do mercado, de uma maneira totalmente nova. Por meio da reconstrução dos atuais elementos do mercado, além das fronteiras dos setores e dos mercados, os gestores conseguirão libertar-se da competição voraz nos oceanos vermelhos (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 79).
A Samsung Electronics usou as matrizes de avaliação de valor em sua conferência corporativa de 2000, da qual participaram mais de 70 gestores de alto nível, inclusive o CEO. Os chefes de unidades apresentaram suas matrizes e planos de implementação aos executivos seniores e uns aos outros. As discussões foram acaloradas e vários chefes de unidades argumentaram que a liberdade de suas unidades no desenvolvimento das estratégias futuras estava limitada pelo grau de competição que enfrentavam. Os líderes com baixa performance achavam que tinham pouca escolha, a não ser imitar as ofertas dos concorrentes. Essa hipótese revelou-se falsa, quando uma das unidades em mais rápido crescimento – o negócio de telefonia móvel - apresentou sua matriz de avaliação de valor (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 95). A unidade não só tinha uma curva de valor diferenciada, mas também enfrentava a mais intensa competição.
A Samsung Electronics institucionalizou o uso de matrizes em suas principais decisões sobre criação de negócios, ao lançar o Centro do Programa de Inovação de Valor (PIV), em 1998. Equipes compostas de representantes chave das várias unidades de negócios se reúnem no Centro PIV para discutir seus projetos estratégicos (KIM & MAUBORGNE, 2005). Essas discussões geralmente giram em torno das matrizes de avaliação de valor. Com o conhecimento assim desenvolvido sobre inovação de valor, o centro, em suas 20 salas de projeto, ajuda as unidades nas decisões sobre ofertas de produtos e serviços.
Em 2003, o PIV completou mais de 80 projetos estratégicos e abriu mais de dez escritórios PIV, para atender às demandas crescentes das unidades de negócios (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 95). Por exemplo, a maior TV LCD do mundo, com 40 polegadas, lançada em dezembro de 2002, é o resultado do esforço de quatro meses em regime de dedicação exclusiva de uma equipe de projeto do centro. O mesmo se ocorreu com o celular mais vendido do mundo, o SGH T-100, que vendeu mais de dez milhões de unidades.
Desde 1999, a Samsung Electronics repete todos os anos sua convenção sobre Inovação de Valor, com a presença de todos os seus altos executivos. Nesse evento, apresentam-se e analisam-se os projetos de maior sucesso em inovação de valor, premiando-se os melhores casos (KIM & MAUBORGNE, 2005). Essa é a maneira pela qual a Samsung Electronics instiga uma cultura organizacional e normas estratégicas que impulsionam seu portfólio de negócios dos oceanos vermelhos para oceanos azuis.
Para Kim & Mauborgne (2005), também chama a atenção o caso do Modelo T da Ford. Antes de seu lançamento, os mais de 500 fabricantes de automóveis nos Estados Unidos se empenhavam em produzir automóveis de luxo sob encomenda para os ricos. O Modelo T foi denominado carro das grandes multidões. Era produzido em apenas uma cor (preto) e em apenas um modelo, com poucas opções. Dessa maneira, a Ford eliminou os investimentos em imagem na fase de uso. Em vez de desenvolver carros para fins de semana no campo - luxo que poucos podiam justificar - o Modelo T da Ford foi feito para o uso diário. Era confiável, durável e fácil de consertar.
A Ford conseguiu converter a maioria dos não clientes da indústria automobilística, a saber, os clientes das carruagens puxadas por cavalos, em clientes de seu próprio oceano azul, ao definir o preço do seu Modelo T comparando com as carruagens puxadas por cavalos, em vez de com os carros de outros fabricantes de veículos automotivos (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 127).
Em 1924, o carro já se tomara artigo essencial para as famílias, quando a renda média dos domicílios americanos já era maior. Naquele ano, a General Motors (GM) lançou uma linha de automóveis que criou um novo oceano azul na indústria automobilística (KIM & MAUBORGNE, 2005). Em contraste com a estratégia da Ford, caracterizada pela oferta de um modelo único de automóvel, altamente funcional mas sem opções para o cliente, nem mesmo quanto à cor, a GM lançou “um carro para todos os bolsos e propósitos” - estratégia concebida pelo chairman Alfred Sloan, no intuito de apelar para as dimensões emocionais do mercado de massa dos Estados Unidos.
Enquanto a Ford insistia no argumento de “carruagem sem cavalos" funcional, a GM tornou o carro divertido, excitante, confortável e elegante. As fábricas da GM produziam ampla variedade de modelos, com novas cores e estilos, atualizados todos os anos (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 192). O conceito de “modelo do ano” criou nova demanda, pois os compradores começaram a buscar melhores modelos em termos de moda e conforto. Como os carros eram substituídos com mais frequência, também se desenvolveu o mercado de carros usados.
A demanda pelos carros elegantes e cheios de emoção da GM disparou (KIM & MAUBORGNE, 2005). De 1926 a 1950, a quantidade total de carros vendidos nos Estados Unidos saltou de dois milhões para sete milhões por ano, e a General Motors aumentou sua participação no mercado total de 20% para 50%, enquanto a da Ford caía de 50% para 20%.
Na década de 1970, os japoneses criaram um novo oceano azul, desafiando a indústria automobilística americana com carros pequenos e eficientes (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 193). Em vez de seguir a lógica implícita da indústria americana – automóveis grandes e com muito luxo, os japoneses alteraram a lógica convencional, perseguindo qualidade implacável, dimensões reduzidas e novo conceito de utilidade em termos de alta eficiência no consumo de combustível.
Quando estourou a crise do petróleo, na década de 1970, os consumidores americanos dispararam para os automóveis eficientes e robustos, produzidos por empresas japonesas como Honda, Toyota e Nissan (KIM & MAUBORGNE, 2005). Os japoneses passaram a ocupar a mente dos consumidores. Seus automóveis compactos e eficientes criaram novo oceano azul de oportunidades e novamente a demanda disparou.
Outro exemplo, no início dos anos da década de 1990, a Dell Computer Corporation desbravou um oceano azul na indústria de computação (KIM & MAUBORGNE, 2005). Tradicionalmente, os fabricantes de computadores concorriam entre si oferecendo máquinas mais rápidas, com mais itens e mais software. A Dell, contudo, desafiou a lógica setorial ao mudar as experiências de compra e entrega dos compradores. Com suas vendas diretas aos clientes, a Dell conseguia vender seus PCs a preços 40% inferiores aos dos revendedores da IBM, ainda ganhando dinheiro.
Além disso, as vendas diretas eram atraentes para os clientes, pois a Dell oferecia bons prazos de entrega e boa qualidade de equipamentos. Por exemplo, segundo Kim & Mauborgne (2005), o tempo decorrido entre o pedido do cliente e a entrega do produto era de quatro dias na Dell, em comparação com a média de dez semanas dos concorrentes. Através do sistema de pedidos on-line e por telefone da Dell, os clientes tinham a opção de personalizar suas máquinas de acordo com suas necessidades. Em paralelo, o modelo de produção sob encomenda criava condições para que a Dell reduzisse substancialmente seus custos de estocagem.
Um fator crítico para o sucesso aplicando-se a Estratégia do Oecano Azul: a equipe precisa ter licença dos executivos para traçar caminhos não convencionais nem triviais do negócio. Avançar na cadeia de valor e conversar direto com o cliente do cliente e depois convencer o cliente direto a trabalhar algo diferente para o cliente do cliente é muitas vezes o caminho a ser seguido. O objetivo central é converter a demanda potencial em demanda real (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 209).
Para se conseguir o apoio dos diversos colaboradores de uma empresa aos projetos propostos, três princípios se fazem importantes e definem o processo considerado justo: Envolvimento, Explicação e clareza de Expectativas (KIM & MAUBORGNE, 2005). Não importa que as pessoas sejam executivos ou simples operadores, se aplica a todos.  
Por que o processo justo é importante na formação das atitudes e do comportamento das pessoas? Emocionalmente, as pessoas precisam de reconhecimento do seu valor, não como “mão de obra”, “pessoal" ou “recursos humanos”, mas como seres humanos a serem tratados com todo o respeito e dignidade e a serem valorizados por seus méritos individuais, independentemente do nível hierárquico (KIM & MAUBORGNE, 2005, p. 179). Intelectualmente, os indivíduos buscam reconhecimento de suas idéias, no sentido de que peçam suas opiniões e sugestões e reflitam sobre elas, demonstrando consideração por sua inteligência e pedindo que exponham seus pensamentos.

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